Narrativa prende atenção, instiga e emociona espectador
É uma experiência curiosa, para começo de conversa, assistir a O Processo, documentário que retrata a ação que culminou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Dirigido por Maria Augusta Ramos, o filme tem muitos méritos, cinematograficamente falando.
O primeiro deles é a direção de Maria Augusta, que também assina o roteiro. Sem recorrer a entrevistas e depoimentos, pilares clássicos do gênero, nem a trilha sonora para sublinhar climas, a cineasta consegue prender a atenção do espectador, impactá-lo e ainda o transportar para um lugar privilegiado, no centro da ação.
Outro destaque é sua montagem vigorosa, feita por Karen Akerman, e resultado de um trabalho árduo e minucioso, que condensou 450 horas de material gravado nas 2h17min de duração do longa.
Estes três acertos respondem por boa parte da força que O Processo tem e ao mesmo tempo subvertem o que pareceria ser seu destino natural. Explico. Qualquer espectador brasileiro sabe o fim desta história. Não seria de se esperar tensão em seu desenrolar.
Mas a construção narrativa elaborada por Maria Augusta é tão eficiente que os nervos da plateia afloram, as sequências emocionam, incomodam, causam risos. Na verdade, assiste-se a O Processo como a um filme de ficção. Muitos espectadores, até, secretamente torcendo para que o final da trama na tela seja diferente do registrado pela história.
Pelas mãos da cineasta, os personagens reais evocam ícones da narrativa cinematográfica clássica. Protagonista e antagonista estão lá, claramente perceptíveis.
Acompanhamos o desenrolar dos acontecimentos como se fôssemos um integrante do bunker da defesa de Dilma. Mergulhamos, literalmente, na história, sem o distanciamento comum dos documentários.
Ainda que só tenham se passado dois anos dos fatos documentados, parece que décadas separam o que é exibido do que foi vivido pela plateia. E rever tudo isso funciona como um choque de realidade.
Este é outro grande trunfo do O Processo. O filme tem a coragem de mexer em feridas abertas, ainda que muitos gostariam de ter por fechadas.
ÉMERSON MARANHÃO
EDITOR DE CONTEÚDO AUDIOVISUAL