'Não faço filmes para defender teses', diz diretora de doc sobre impeachment de Dilma

Maria Augusta Ramos afirma que 'O processo' contempla todos os lados da ação no Congresso

por Alessandro Giannini

A ex-presidente Dilma Rousseff entre seus defensores no Congresso - Divulgação

A ex-presidente Dilma Rousseff entre seus defensores no Congresso - Divulgação

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— “O processo” não pode ser apenas a minha visão como ser político e social. Eu tenho uma visão “x”, mas o meu trabalho tem que ir além disso e apresentar argumentos para todos os lados, à esquerda e à direita. Não faço filmes para defender teses. Os meus filmes são processos de descoberta sobre determinados momentos. Este se propõe a isto, como todos os anteriores — diz a cineasta.

Maria Augusta Ramos, Seca, Desi, Future June, Hill of Pleasures, cineasta

Maria Augusta Ramos, diretora de 'O processo' - Divulgação


 
“O processo” segue o mesmo conceito aplicado na trilogia dela sobre o sistema judiciário brasileiro, formada por “Justiça” (2004), “Juízo” (2008) e “Morro dos Prazeres” (2013). Em todos eles, o princípio que guia a narrativa é o da observação, sem intervenções ou entrevistas diretas. Ela e sua equipe circularam pelos corredores do Congresso, gravaram coletivas de imprensa, acompanharam as votações na Câmara dos Deputados e no Senado, além de presenciar situações e acontecimentos ainda não conhecidos publicamente.

A ex-presidente Dilma não fala ao filme, apenas aparece concedendo entrevistas coletivas, em pronunciamentos e dando depoimentos. Assim como os envolvidos na sua defesa e na sua acusação, nas várias comissões e nas plenárias da Câmara e do Senado:

— Tive um acesso importante à defesa da presidenta. Assisti às reuniões do (então Advogado-Geral da União) José Eduardo Cardozo com os assessores e dos senadores da esquerda, do PT e PC do B. Então, tem todos os bastidores do impeachment. Filmamos todo aquele processo que acontece no Congresso, com as comissões e tudo. Mas os argumentos da direita e de quem defendia o impeachment também estão contemplados nas comissões e sintetizados em 2 horas e 15 minutos de projeção — disse ela.

“O processo” foi realizado ao longo de quase seis meses, em 70 dias de gravações que começaram uma semana antes da votação na Câmara dos Deputados, em abril de 2016, e terminaram após a saída de Dilma, em 31 de agosto do mesmo ano — com uma volta à capital federal no fim do ano. Maria Augusta e sua equipe captaram ao todo 450 horas de imagens.

Obra foi feita sem dinheiro público

Com orçamento de cerca de R$ 900 mil, o filme foi financiado com recursos próprios, por meio de financiamento coletivo, prêmio do World Cinema Fund do Festival de Berlim, além de patrocínio direto do Canal Brasil e de um produtor holandês:

— Para a produção, não tivemos um dinheiro sequer de leis federais, Lei Rouanet ou Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Talvez tenhamos que usar o fundo para o lançamento, ainda vamos ver — disse a diretora.

O Festival de Berlim traz ainda a coprodução brasileira “Las herederas", do paraguaio Marcelo Martinessi, na competição de longas. E três títulos nacionais na competição de curtas: “Alma Bandida”, de Marco Antônio Pereira; “Terremoto Santo”, de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, além de 'Russa', do português João Salaviza e do brasileiro Ricardo Alves Jr. “Unicórnio”, de Eduardo Nunes, será exibido na mostra Generation. De produção estrangeira, “Entebbe”, novo filme de José Padilha, será exibido fora de competição na seleção oficial.